
El juego de cartas, 1948 – 1950
Fuente: https://www.museothyssen.org/
Pedro autografava exemplares sem parar naquela tarde, a tinta da caneta manchando seus dedos tanto quanto o vinho manchava seus lábios. A fila serpenteava entre as estantes da livraria, interminável, e ele agradecia a cada rosto que se aproximava com seu romance nas mãos. Mas então ele a viu. Ela também o olhava de seu lugar na fila, e algo se acendeu no ar entre os dois, uma corrente que atravessava as cabeças daqueles que esperavam.
Quando finalmente chegou a vez dela, os dois sorriam como se compartilhassem um segredo. Conversaram brevemente, mas intensamente, aquele tipo de conversa em que cada palavra parece dizer mais do que realmente diz e nem se lembra do que foi dito. Antes de ela ir embora, Pedro pegou um dos livros da mesa e pediu que ela escrevesse seu nome e telefone na página vinte e um. “É meu número da sorte”, explicou. Ela assentiu, escreveu sorrindo e saiu com seu livro autografado debaixo do braço.
Naquela noite, Pedro pegou o último livro em sua mesa e saiu para comemorar com seus amigos. No dia seguinte, procurou a página vinte e um: apenas suas próprias palavras impressas o fitavam do papel. Procurou na página 121, pensando que talvez ela tivesse entendido mal. Nada. A página 221 era a penúltima página do livro, sua última esperança. Também nada.
Os anos passaram como sempre passam, levando consigo aquele momento de conexão. Até que chegou o convite de casamento de seu melhor amigo. Na cerimônia, quando viu a noiva se aproximando pelo corredor, o mundo parou. Era ela.
No banquete, entre taças e olhares atordoados, ela lhe contou que havia esperado por sua ligação. Que nunca chegou.
Pedro compreendeu então: havia muitos livros na mesa. Ela escreveu em um que seu melhor amigo levou consigo, e ligou para ela.
