
En la noche, 1926
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Há muitos tipos de trabalho e alguém tem de fazê-los. Mas tem limites, e seria o caso desta barbeira. Ela era portuguesa e aparava barbas e cortava cabelos las ilhas do Canal da Mancha. Até aí, podia não ser fácil, mas pagava melhor do que em Portugal. Porém, ela estava só no Canal e foi aí, numa dessas aparadas, que um cliente a convidou para jantar. Nada de mais, ela estava só e pelo jeito ele, um médico escocês, também estaria só.
Foram num pub, e o médico veio na mesa com duas pintas de cerveja e alguns amendoins. Não era propriamente um jantar português, mas para quem está só, a alternativa podia ser beber cerveja em lata olhando para a TV.
A conversa corria bem até que ela não resistiu a fez alusão ao cheiro de formol que ia e vinha sem ela saber de onde, mas que parecia mais intenso quando ela levava os amendoins à boca.
– Deve ser de mim, disse ele. Sou médico legista.
Imagina a estupefação da barbeira portuguesa que podia ter sonhado com jantar bacalhau regado a bom vinho, mas, estava aí bebendo cerveja e picando amendoins do mesmo pote que o legista ciscava sem ter lavado as mãos!
Era para ela ter pego o agasalho e ter se mandado, mas fazia frio la fora e o tal do Dr. Jeckyll era intrigante; inclusive perguntou-lhe se ela quereria escutar algo da profissão dele. Era para ela ter pulado de horror aí mesmo, porém ficou e ele continuou com voz suave, dizendo-lhe como iniciava o corte nos cadáveres deslizando o bisturi da orelha para baixo, e ela indicou o movimento deslizando a unha do dedo dela da minha orelha para abaixo. Era para eu ter pulado da cadeira de barbeiro, mas também fiquei.

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