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O ar na sala de reuniões, normalmente espesso de ambição, tornou-se fluido. Pedro Silva, um homem jovem cuja trajetória profissional havia sido um arco perfeitamente desenhado, sentiu uma rigidez peculiar em sua gravata. Pigarreou para apresentar as projeções do terceiro trimestre, mas o som estava… errado, saiu como um jato de água fluindo de sua boca.
Seus colegas, um tableau de ternos polidos e expressões plácidas, continuaram seus murmúrios. Sr. Ferreira ajustou os óculos, a Sra. Seabra rabiscou anotações. Ninguém parecia notar a mudança sutil na postura de Pedro, cuja coluna vertebral estava se dissolvendo. Não pareciam perceber as protuberâncias esféricas de células epiteliais que cresciam e se alongavam desde seu esterno, ou o brilho tênue e iridescente de seu braço aceitando as fibras musculares radiais, meridionais e circunferenciais que formariam as ventosas.
Uma onda de náusea, fria e alienígena, invadiu Pedro. Os números na tela de projeção se embaçaram, depois se coalesceram em um padrão intrincado e ilegível. Seus pensamentos, normalmente nítidos e lineares, fragmentaram-se em um caos de murmúrios líquidos. Tentou falar, explicar esse desconforto súbito e profundo, mas sua língua parecia inchada, insubordinada, e as palavras que se formavam em sua mente pertenciam a línguas ignotas, pareciam mais uma série de bochechadas.
Olhou para suas mãos. A pele, antes lisa, estava agora segmentada, um mosaico de infundíbulos e acetábulos suaves, ventosas das quais agora dependia para segurar sua caneta sugando-a. Um tremor tênue o percorreu, não de medo, mas de um impulso instintivo e perturbador de se esconder, desaparecer por qualquer fresta, o que agora lhe parecia possível.
A reunião continuou, alheia. Pedro Silva, o executivo promissor, cessara de se sentir desconfortável; estava se metamorfoseando em algo inteiramente diferente, uma criatura silenciosa e hidrostática em um mundo que havia deixado de reconhecer sua humanidade. O slide final, “Caminho para o Crescimento”, permaneceu na tela, uma piada cruel, enquanto ele se esgueirava pela fresta debaixo da porta, como um polvo.

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